Loise Dienstmann
Algumas vezes, temos a felicidade de que nossa vida cruze com a de sujeitos cuja atuação e memória fazem a diferença na História de uma comunidade, de uma região ou de um país.
Acontecimentos recentes têm me feito lembrar com insistência de como reconheci a importância da recuperação de apenados e a humanidade no gesto que os considera seres humanos.
Ao mesmo tempo, outra vez, vi como mulheres podem promover transformações significativas.
Loise Dienstmann
Quando presente, Loise Dienstmann era presença comemorada em almoços de domingo na casa de Lori Travi, a quem eu chamava por motivos afetuosos de tia.
Recebida com carinho, tia Lori e minha mãe, Carmen, em seguida entabulavam conversa com ela. Era visível a admiração que as duas mulheres tinham por Loise, bem como a alegria que lhes trazia a convidada.
Esse fato tornava Loise ainda mais interessante aos meus olhos.
Paulatinamente, descobri a relevância da médica e psiquiatra para a vida de muitas outras pessoas.

A psiquiatria
Licenciada em Filosofia pela PUCRS, cursou Medicina e especialização em Psiquiatria na UFRGS.
Desde 1967, atendia em uma clínica particular de Psiquiatria.
Influenciou muitas pessoas, conhecidas e anônimas.
Ivete Brandalise, em sua coluna de 27.08.1977, reconheceu a importância da profissional e amiga na sua formação como psiquiatra.
Segundo a colunista, Loise Dienstmann foi
“[…] a grande mestra, o modelo perfeito. E continua sendo.
[…] E eu não poderia simplesmente dizer que Loise é uma marca em mim. É mais que isto. Muito mais.
É o alicerce e a estrutura da psicóloga que eu sou. E isso, evidentemente, aumenta minha responsabilidade.
[…] O domínio do assunto e da técnica faria de Loise uma terapeuta igual a muitos outros, se não existisse o extraordinário talento e a grande sensibilidade que a fez diferente, e única“.
O Instituto de Biotipologia Criminal
Convencida da relevância de uma atuação necessária junto aos apenados para a recuperação dos detentos e inserção social dos mesmos, fez cursos de Psiquiatria e Penitenciarismo em importantes centros, em países como Alemanha, Espanha, Estados Unidos e Uruguai, entre outros.
Primeira mulher a dirigir o então Instituto de Biotipologia Criminal (IBC) – um presídio para homens -, trabalhou com afinco e humanidade pela recuperação dos presos inseridos naquele sistema.
O IBC, desde sua fundação em 1968, funcionava junto à Penitenciária Estadual.
Nessa época, Loise foi também a única mulher no Brasil a ocupar esse tipo de cargo.
Ao longo de 11 anos, estruturou o IBC e sua equipe, trabalhando incansavelmente na verificação da periculosidade dos presos em vias de conquistar a liberdade e na orientação deles para a cidadania.
Na família, as histórias sobre a doutora circulavam:
- os presos dizem que não adianta tentar enganar a doutora Loise porque ela manda sair e só voltar quando for falar a verdade;
- ou ainda que ela conseguiu autorização para que os detentos fossem assistir a um jogo de futebol no estádio e todos retornaram do evento, menos um que, até a madrugada, já estava arrependido e pediu a ajuda dela para retornar ao presídio.
Tinha-se a impressão que seus esforços e sua presença faziam ressurgir, do apenado, o ser humano soterrado em cada um daqueles homens.
A percepção do Outro
A Patrícia Bins, em entrevista realizada para a Folha da Tarde, declarou que
“começando com a criança e abrangendo as pessoas adultas em geral, desenvolveu-se no mundo uma falência dos valores reais que se caracteriza inclusive, pela não-percepção da carência do outro.
Daí resultam todos os dramas, todas as tragédias. E a consequente falência das relações humanas”.
Loise tinha a certeza de que aqueles homens, adoecidos para o sistema, eram capazes de melhorar e voltar ao convívio com a sociedade.
A atualidade
O exemplo de Loise Dienstmann merece ser revisitado neste momento em que vemos o mundo varado pelas guerras, por crimes cada vez mais cruéis e por penitenciárias lotadas.
Persistente e profissional, ela utilizou a medicina e a psiquiatria como armas para a recuperação e a paz social.
Suas palavras sobre a intensificação da agressividade e sobre os valores que podem deter atitudes que promovem a desumanização merecem ecoar novamente em nossos ouvidos, em nossos textos, em nossa realidade.
Hoje, olhando para um tempo já distante, penso que Loise se ocupou com o ser humano em suas múltiplas facetas.
Ela soube conjugar técnica, firmeza e afetos.
Meu coração fica aquecido com a lembrança dessa mulher e do quanto ela fez por homens que reaprenderam a perceber o Outro e a construir uma sociedade melhor.
A AUTORA

NOTA:
- Esse artigo foi produzido a partir de textos jornalísticos gentilmente cedidos por Marcelo Bittencourt, filho de Loise.
- Nem todas as matérias apresentam a data da publicação e a seção de veiculação da notícia e/ou reportagem, como no caso da entrevista acima citada.
- As imagens são artes de colagem realizadas pela editora de Histori-se. .
- PUCRS: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
- UFRGS: Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
