Meu pai não chegou a envelhecer.
Partiu na flor da maturidade, com pouco mais de meio século vivido.
Um ser onde ternura, firmeza, seriedade e alegria faziam um mix perfeito.
Era um homem de físico alto, forte. Impunha respeito, onde chegava.
Dizia coisas como: “o que nosso espírito e mente aprendem é riqueza que ninguém pode tomar”.
Exigia dos filhos a ‘vitamina HBC‘ diária, ou seja, horas de estudo cumpridas, tarefas escolares feitas.
Sobre a sigla HBC?
Eu traduzo: “Hora bum bum na cadeira”. Era como ele chamava o tempo destinado ao estudo.
Nada de estudar no chão, na cama ou na rede.
O lugar para estudo era à mesa, na sala de jantar.
Lembro da minha surpresa quando ele, magoado, reclamou por eu ter permitido que minha filha fosse medicada com uma injeção.
“Onde já se viu picar a neném? Já inventaram antibiótico de tomar”.
São muitos os causos e histórias envolvendo o “Seu Miro”.
Hoje, diante de tantas notícias dizendo sobre violências de gênero e motivada pela data comemorativa (Dia dos Pais), narrarei, novamente, uma das memórias que tenho com ele.
Levando roupa para lavar
Meu pai levava a roupa para uma senhora lavar. Era um pouco longe de casa.
Eu havia terminado um namoro. O namorado insistia para reatar.
Quando ele pegou a trouxa de roupa, eu fui atrás.
E lá ia a gente, pelo caminho, conversando amenidades…
Uma hora, tomei coragem. Contei sobre a insistência do rapaz para o retorno.
Ele ouviu com atenção. Conversando, com calma, alertou: o ciúme, com o qual o ex-namorado justificava as cobranças e as desconfianças era inaceitável. Começava assim e depois…
Sem meias palavras, explicou que nenhum relacionamento (nem ninguém) poderia me deixar desconfortável, envergonhada ou com medo.
Não falamos muito sobre o término do namoro e, nem sobre o rapaz. Não era necessário.
Esse foi um dos momentos em que muito falamos sobre o viver. Onde foi reforçada a confiança do acolhimento e a importância do amor-próprio.
Tudo isso, sem grandes palestras. Como ele dizia: “eu tinha ninho”
Eu, a filha mais velha, além de ser o seu primeiro experimento de ‘paternagem’, pude o ver aprendendo e se reinventando como pai, também, com meus irmãos e irmãs.
Penso que tive sorte.
Minha infância teve a presença de um pai que ensinava sobre coisas da vida, que exigia e dava exemplo de respeito aos próximos, que contava histórias.
Um pai, por vezes, durão; que tinha coração de passarinho e fazia artes de menino. E nós, a meninada? Seguíamos o arteiro mor.
