Brigitte Macron
Brigitte Macron Arte da editora de Histori-se.

Um corpo incômodo:

o que o caso Brigitte Macron revela sobre gênero e envelhecimento em espaços de poder

“Velha demais para ser mulher” foi a chamada de uma coluna da Folha de São Paulo do dia 24 de setembro, que me tomou por acaso na manhã de ontem.

O texto dava conta dos pormenores da exposição de Brigitte Macron, primeira-dama da França, a um episódio de especulações – violentas – sobre a sua identidade de gênero.

As provocações, como não poderia deixar de ser, partiram de uma representante da extrema-direita norte-americana e reúnem supostas evidências de que Brigitte é, na verdade, um homem.

O mal-estar coletivo, com ecos inclusive na extrema-direita brasileira – leia-se o episódio em que Brigitte teve sua aparência comparada, em 2019, à da então primeira-dama do Brasil Michele Bolsonaro, como afirmativo de uma suposta superioridade – advém do fato de que Brigitte mantém um casamento intergeracional com um homem que, para o imaginário patriarcal e de poder fálico, não deveria “escolhê-la”, afinal, que motivos levariam o presidente da França a figurar publicamente ao lado de uma velha?

A matéria diz ainda que o casal Macron entrou na justiça contra caluniadores e confirmou a inclusão, no processo, de provas fotográficas e científicas de que Brigitte – a despeito da idade – é, de fato, mulher.

Sua idade parece encarnar uma afronta ao roteiro normativo de corpos e performances a nível global e isso a torna alvo de ataques que mesclam misoginia, etarismo e transfobia.

Acostumada a estudar gênero, reprodução e menopausa como discussões em amálgama à valoração feminina, me vi transportada à polêmica protagonizada pelo ginecologista norte-americano Robert A. Wilson, em 1966, com a publicação de Feminine Forever, que usava o discurso da perda de feminilidade no envelhecimento para promover o consumo de hormônios que adiariam a suposta perda.

60 anos se passaram

Sessenta anos se passaram e o envelhecimento feminino é reiteradamente deslocado à margem do que se imagina “feminino legítimo”.

Brigitte Macron

É 2025 e uma mulher terá seu corpo escrutinado para provar que é mulher porque não parece feminina o bastante para um grupo de conservadores preconceituosos – como se possuir um pênis ou uma vagina, certos cromossomos e a predominância de hormônios específicos fossem capazes de definir a complexidade de uma identidade.

Fausto-Sterling (2002), pesquisadora dedicada à relação entre gênero e biologia, dispensaria as “provas” e argumentaria que corpos são complexos demais para darmos respostas claras sobre diferença sexual e que sexo não é uma categoria pura.
Isso significa que testes biológicos sempre serão insuficientes, visto que a biologia é infinitamente mais vasta do que o binarismo que aprendemos a reconhecer e a performar.

O incômodo

O incômodo não reside seguramente apenas na diferença etária do casal, mas na quebra de uma expectativa social que lê homens por uma suposta racionalidade superior e mulheres por atributos estéticos, além da – antiquadíssima – capacidade reprodutiva.
Na lógica mercantilista, mulheres – uma categoria ampla e em disputa (Butler, 2003) – são transformadas em produtos de consumo masculino, que as escolhem e dispõem delas conforme o capital de poder que detém.

O episódio deixa entrever como o envelhecimento feminino permanece insuportável à ordem simbólica: quando não é domesticada pela estética do “Feminine Forever”, ela é tornada suspeita, uma impostora.

Brigitte Macron

Uma velha que ocupa espaços de poder como parceira de um homem mais jovem transgride a ficção cultural que reserva a elas papéis de recato, maternidade ou invisibilidade.

Em vez disso, Brigitte reafirma que envelhecer não culmina, necessariamente, em abdicar do lugar de sujeito desejante, político e social.

A  AUTORA
Josiane Fernanda Santos

Josiane Fernanda Santos, Cientista Social formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Mestranda em Saúde Coletiva pelo Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na linha de pesquisa Gênero, Sexualidade, Reprodução e Saúde, com particular interesse em Antropologia do Corpo e da Saúde e envelhecimento.

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Referências:
  • BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
  • FAUSTO-STERLING, Anne. Dualismos em duelo. Cadernos Pagu, n. 17-18, p. 9–79, 2002.
  • MOURA, Joanna. Velha demais para ser mulher. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24 set. 2025.
  • WILSON, Robert A. Feminine Forever: A New Life — The Quest and the Key. New York: M. Evans and Company, 1966.
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